Olha amigo, vo lhe contando
Agora um fato curioso
Do dia que, por querer,
Encontrei com o tinhoso
Tava eu vivendo assim
Da vida bem desgostoso
Nessa sofrida labuta
Sem contar nada de novo
De todas veiz que pelejei
Sempre saí vitorioso
E não tinha desafio
Qu’eu não vencesse com gosto
Nem coroné, nem jagunço
Nem cabocla me pareia
Só nunca tive saco mesmo
Pra papo de missa em igreja
Nunca fui cabra arrogante
Por favor, não me entenda mal!
Mas a graça dessa vida
É desafiar geral!
Eis que um dia caminhando
Passei na frente da capela
Ouvi o padre falano
Pras cadera e pras janela:
-Lucifér foi um arcanjo
Inteligente e garboso
Mas foi desafiar a Deus
E acabou como tinhoso!
Aí que eu fiquei pensando
Que mesmo do céu enxotado
O antigo anjo virou
Príncipe dos Desesperados
Pois com esse pensamento
Fiz eu logo um trabaio
Acendi 3 vela preta
enquanto olhava de soslaio
Pus um copo de aguardente
Invocando o Belzebu
Mas o tinhoso não veio…
Fiquei triste pra chuchu
Fui pra casa cabisbaixo
Dei um beijo na esposa
Me deitei igual raposa
Nem pendurei meus balaio
Foi aí, meu amigo,
Que algo estranho aconteceu!
Não sei se tava dormindo
Ou se sonambulei eu
Mas fui andando depressa
Num lugar escuro e quente
Quando a luz quase me cega
Lucifér na minha frente!
-Quem ouzas me invocar?
Disse o diabo furioso,
Lôro e lindo era ele
Tinha até os chifre lustroso
-Tu não lê meus pensamento?
Disse eu todo atrevido,
-Sou Zé Carlos Bacamarte.
Não espante os teus ouvidos!
Nunca nem ouvi falar!
Disse o diabo zombeteiro
-Seu sotaque não me engana.
Tu só pode ser mineiro!
-Uai hômi, como pode?
Tu acertou foi de primeira!
Fui criado em Matogrosso
Mas parido por mineira.
-Eu sou demônio ocupado
Tenho guerras pra fazer.
Diga logo o que tu queres
Ou vou mesmo me enfurecer…
-Seu diabo sou mineiro
Empresário e lutador!
Conquistei tudo na vida
Terras, trabalho e amor…
Mas pra dizer a verdade
Ando meio arrepiado
Achando que já nessa vida
Me está tudo acabado
Sempre tive todo gaiz
Pra correr atrás dos sonhos
Fui então ficando véio
Cada dia mais tristonho
Queria mesmo um desafio
Pra que animasse mais
Então vim aqui pro inferno
Pra vencer o Satanáis!
-Que mineiro atrevido!
Querendo chamar atenção…
Vamos aqui fixar os termos
Da nossa competição:
O primeiro que chegar
Num lugar que não existe
E de lá mesmo voltar
Ganha tudo, até meus chifre.
-Mas que desafio doido…
Como eu posso resolver?
Se o tal lugar não existe
Não tem nem como vencer!
E eu chorei amargamente
Pensando no que fazer
Vim pro inferno me gabando
…Só posso agora correr
Passei sebo nas canelas
Pensando que ia perder
Amor, posses e prazeres
Nunca mais iria ter
Acordei todo suado
Era pois um sonho vão!
Beijei a nuca da véia
Que valor teve isso então!
Afinal ter muitas coisas
Até tem o seu valor
Mas manter o que se ganha
É mostra-se merecedor
O diabo, meu querido,
Me ensinou uma lição
O desafio da vida
Não era a conquista, não!
O verdadeiro desafio
Era saber aproveitar
O muito ou o pouco ganho
Até minha alma ele levar.
A história acabaria
Aqui bonita e com lição
Mas A temível gargalhada
Ressoou por meu saguão…
Fui então ver o quer era
A procura foi em vão
Nada lá embaixo achei
Exceto um espelho no chão
Quando nele me olhei
Tinha cornos na cabeça
Mas a véia era honesta
Inocente com certeza!
-Pois Zé Carlos Bacamarte,
Veja que cumpro meu trato:
Tu agora és o diabo
Vais fazer tudo que eu faço.
A voz seguiu seu discurso,
tinha mais o que dizer:
-Tenho férias atrasadas
Muitas coisas por fazer
Meu retorno, não aguardes
Ganhastes da aposta o quinhão
Afinal, fugir do inferno
Não é pra qualquer um não.
-Mas como posso ter fugido
Se o inferno é real?
-Homem deixe de bobagem!
Tu tá sonhando, animal!