As Viagens Interdimensionais de Johnny B. Goode – Episódio 01

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Eu estava de férias no Rio de Janeiro e, como todo bom turista, queria ver o Cristo Redentor, mas a cidade já não era a mesma: estava parcialmente alagada e novas construções hi-tech se projetavam às alturas contra a lei da gravidade. Entre elas havia várias jacuzzis no formato de cuias com um acabamento que fazia pensar se não seriam 3 cuias, uma dentro da outra, todas flutuando no ar, bem acima do Cristo.

Como se já não fosse estranho o suficiente, havia um grande totem erigido de modo a ultrapassar o Cristo Redentor em altura, com vários jardins suspensos sobre ele.

“É um péssimo momento pra enfrentar meu medo de altura”, pensei. Mesmo assim, eu e mais um casal de turistas, entramos na fila para o banho de jacuzzi, que era uma atração muito popular entre os turistas.

Ao entrarmos, houve um problema com o sistema eletromagnético de suspensão, de modo que fomos arremessados, os 3, pra fora da piscina numa velocidade absurdamente alta. Enquanto senti a queda, só me restou pensar: “Pronto, tô morto”. Eu via o Totem e o Cristo enquanto a vertical da morte nos aproximava do chão, mas caímos os 3 numa das zonas alagadas da cidade. Estávamos vivos! …Mas perdi minha mochila.

A medida que a onda de choque passava, involuntária e automaticamente, fomos lançados para uma das zonas de comércio, parcialmente alagadas do RJ. Sem camisa, perdido na queda, fui tentar entender onde estava quando, de repente, um movimento popular de revoltosos surge do nada! Consigo arranjar um colete de couro e, quando me olho no espelho, estou com cabelos lisos caindo sobre as sobrancelhas, e uma barba digna de um profeta bíblico… Sou arremessado pela segunda onda de manifestantes (que destruía tudo por onde passava) contra um outdoor e busco refúgio dentro de um ônibus interestadual (que parecia ser da Transdutra) que se dirigia para Curitiba. Depois da viagem, descubro 2 de minhas ex-colegas de faculdade dentro do ônibus. Conversamos e descemos onde deveria ser a rua 15 de Novembro (que nem é tão perto da rodoviária) e a rua estava em movimento de pico por conta de uma feira que estava acontecendo ali (mas a rua parecia mais a praça da feira de Ibipitanga-BA, por alguma razão inexplicável). Me despeço de minhas colegas e decido procurar minha mochila e meu laptop nos sites de “achados e perdidos”, quando uma onda catastrófica de inundações e deslizamentos de terra assolam todos os pontos secos do mundo.

Perco parte da memória e, dias depois, me vejo num abrigo próximo a uma floresta num local desconhecido. Estou desnutrido e quero água. Mas há 16 formas de água e nem todas se podem beber…

Converso com a líder do acampamento… Era a mesma líder dos manifestantes do RJ. E tinha certo zelo pela vida humana, mas agia como uma chefe de gangue, devido a sua ideologia política de esquerda, e não aceitava questionamentos.

Uma criança, que ouviu minha conversa com a líder, fica estranhamente interessada em minha mochila, como se meu laptop fosse a chave para se comunicar com os aliens e se ver livre desse planeta destinado à morte. Mas todos sabemos que os aliens só resgatarão uma única pessoa… eles mesmos já disseram no jornal.

Mas a menina tinha tendências sociopáticas e era extremamente inteligente. Eu descubro, por comentários de meninos xucros que estavam passeando na floresta, a descrição de um objeto que tinha que ser minha mochila, mas estava com muita sede para ir ao local e olho os 16 exemplares de água que os manifestantes colheram para análise.

“Dessa você pode beber!” – disse a menina com um sorriso diabólico. Como era um sinal de desrespeito aos manifestantes desconsiderar seus comentários, por mais crianças que fossem, resolvi beber (afinal, estava doido de sede). Não sabia o que significava o rótulo. “Água ébria”… Nunca vou me esquecer dessas palavras. A garota ri e ruma para pegar minha mochila, ao que a líder entra na sala e me diz: “Você tomou a água ébria? Ficou louco? Ela vai desidratar todo o seu organismo! Não é para beber, é para matar! Como penitência, você deverá correr até o Cristo e retornar. Talvez o calor possa fazê-la evaporar de dentro de você pra fora. Mas você só tem 5 minutos. É sua punição eterna!”

Eu obedeço imaginando se essa mulher não estaria louca, mas me sinto ressecado por dentro e corro com uma energia que não parecia se esgotar. O Cristo redentor não estava a mais de 2 ou 3 quilômetros de onde estávamos e podia ser visto no horizonte de uma ladeira. Estava torto e não havia água perto. Também não me dizia nada sobre minha localização, já que muitos monumentos pareciam fora de seu devido lugar depois do desastre, pelo que me disseram…

Enquanto corro a estrada de volta avisto uma improvável zona de comércio onde havia amendoins japoneses salgados e resolvo comer para morrer feliz. Também havia pães de queijo, mas a velocidade estava fazendo minhas partículas vibrarem tão rapidamente que eu atravessava dimensões. Resultado: Acabei retornando a Guarulhos, num mercado do Carmela onde ainda havia amendoins japoneses, mas pães de queijo não mais existiam em parte alguma…

Cristiano e a Profetiza de Arujá

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O toque de recolher soou outra vez ordenando a todos do pequeno município de Arujá-SP. Já era chegado o momento de se alojar em casa. Portas e janelas fechadas e a lembrança de tempos mais pacatos lhe vêm à memória, mas que isso importa? A correria do dia-a-dia era a mesma de anos atrás, mas o temor era totalmente novo.

Há pouco a grande São Paulo estava sitiada e seu suprimento de água e alimentos apenas diminuía. Quem teve oportunidades fugiu antes da cidade ser sitiada. A maioria, por outro lado, permaneceu temerosa de abandonar velhos hábitos ou simplesmente não acreditou que as coisas chegariam a essa proporção. Cristiano era o segundo caso. Sonhos repetidos com explosões em forma de cogumelo e um rastro de morte percorriam sua mente noite após noite.

 Eu devia procurar um psicólogo ou psicanalista… Talvez esse sonho tenha algum significado.

Mas Cristiano era um procrastinador. Mesmo em seu trabalho, muitas vezes preferia deixar as tarefas e relatórios pra última hora. Não é que fosse ineficiente, mas era movido pela ansiedade e se não conseguisse um mínimo de adrenalina não conseguia empurrar os projetos da empresa (ou os pessoais) adiante.

Ele ainda pensava em Ana Júlia, antiga namorada do setor de contabilidade, mas que havia sido transferida para o Rio de Janeiro antes da 3.ª Guerra eclodir. A derrocada do Rio e a derribada de símbolos nacionais preocupava as autoridades pois São Paulo era o último foco de resistência aos invasores. Cristiano nunca mais soube dela, mesmo tendo sido ele quem terminara, na época, por medo de compromisso. O mesmo tipo de medo que fez com que tivesse cortado 2 dedos de cada uma de suas mãos para se livrar do fronte de combate Há poucos meses. “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil o caramba!” – ele dizia a si mesmo.

Não houve tratado de paz, mas já fazia 2 meses que nem um único tiro era ouvido em toda grande São Paulo. E isso era por demais estranho tendo em vista esses tempos difíceis.

– “O estado de sítio à grande São Paulo já está em seu 6.º mês após a grande batalha da Anhanguera e ainda não há sinal de uma possível saída diplomática…”

 Eu nem sei pra que ainda vejo jornal… – pensava Cristiano. Estou morto de sono… O que tem nos outros canais?
 Arrependei-vos pois vos é chegado o reino de Deus!
 Ah, que maravilha! Programa religioso… Se bem que essa moça falando é bonitinha.
– “…Pois quando estiverem dizendo: Paz e segurança! então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida; e de modo nenhum escaparão.” (1 Tessalonicenses 5:3).
 Eita palhaçada…
 “Por que nos assentamos ainda? juntai-vos e entremos nas cidades fortes, e ali pereçamos; pois o Senhor nosso Deus nos destinou a perecer e nos deu a beber água de fel; porquanto pecamos contra o Senhor. Esperamos a paz, porém não chegou bem algum; e o tempo da cura, e eis o terror.” – palavras fortes do profeta Jeremias no capítulo 8, versículos 14 e 15 de seu livro. Muitos pensam que haverá paz, mas não haverá. O fim se aproxima, reconciliem-se com Deus! Arrependei-vos pois se aproxima o tempo do fim!
 Acho melhor dormir – e desligou a TV – tenho que acordar cedo amanhã.

Porém, os pesadelos ficavam mais vívidos e Cristiano não dormia mais que 3 ou 4 horas por noite.
Na semana seguinte, Cristiano descobriu, por meio de uma prima recém-convertida ao Cristianismo, que a moça que vira na TV (a quem ele sarcasticamente chamava de “profetiza” tanto mentalmente quanto quando conversava com seus colegas) havia predito com 5 anos de antecedência a derrocada do Japão, dos EUA, da União Européia, a resistência sul-americana, a destruição do Cristo redentor e agora havia mencionado o nome de Arujá em seu último sermão.

 Vi uma grande luz e uma onda de destruição e já não havia mais Arujá… Todas as noites tenho o mesmo sonho e sinto que não devemos “recalcitrar contra os grilhões” irmãos. Todos sabemos que só há duas formas de deixar esse mundo. Ser arrebatados por Cristo ou pela morte… Mas em tudo vejo a bondade de Deus de nos permitir nos preparar para nos encontrarmos com ele. Oremos…

A essa altura Cristiano começava a pensar se os detalhes que ela vinha revelando não eram mesmo um reflexo do futuro e, se era, de quanto tempo estaríamos falando. Ele visitou a comunidade onde a moça de nome Jennifer pregava e por três vezes ele a ouviu descrever seus sonhos de uma grande explosão e eram idênticos aos seus. De fato, a ideia o perturbava tanto que chegou a descobrir em qual ponto de ônibus Jennifer pegava sua condução diária para o CRAS local, onde a moça trabalhava de dia, aparentemente inatingível ante suas próprias previsões. Por vezes chegou a tentar entender o ponto de vista de Jennifer enquanto ela lhe falava da vida, da morte e de Jesus.

 O apóstolo Paulo dizia que “o viver é Cristo e o morrer é ganho”. No princípio os monges cristãos tinham o hábito de se saudarem com a famosa frase “carpe diem” (“aproveite o dia”, em latim) e a frase hoje caiu no gosto popular pra satisfazer os desejos desenfreados de pessoas que tem um rei na barriga, mas tudo no Cristianismo é um enigma de vida e morte. Não vejo as pessoas mencionarem, por exemplo, que os monges que eram saudados com essa frase respondiam “memento mori” (que significa “lembre-se que vai morrer”). A vida sem Cristo não tem propósito. Ele mesmo disse que “Quem amar essa vida perdê-lá-á, mas quem perder a vida por amor de mim achá-la-á”. Todo cristão deve estar sempre pronto a morrer.
 Ok, você faz ideia de como esse papo soa perturbador pra mim? Tipo, é bonito, cipá dá pra comparar com uma poesia gótica, mas na prática ninguém quer morrer.
 Não se trata de querer morrer, mas encontrar seu propósito. Deus nos fez com um objetivo e uma vez descoberto você deve viver e morrer por ele se preciso.
 E qual é seu objetivo?
 Que as pessoas saibam que Cristo é o salvador e que não precisam temer a morte se tiverem fé. Assim como Jesus ressuscitou, assim também ressuscitarão seus amado servos que amparam ao próximo, obedecem e proclamam seus mandamentos ao mundo. Todas as religiões tem sua versão de fim do mundo, mas só conheço o Cristianismo nos dizendo pra nos preparar pro nosso próprio fim. O mundo talvez não acabe nessa guerra, mas muitos de nós vamos perecer.
 Você realmente acredita nisso?
 De todo meu coração.

Aquelas palavras fervilhavam na mente de Cristiano, até que, 2 dias depois o jornal anunciou que, segundo fontes seguras, os invasores haviam realizado a construção de 4 objetos estranhos nos 4 pontos cardeais das cidades da grande São Paulo. Ninguém sabia do que se tratava e aviões começavam a circular de um lado para o outro. Pessoas ligavam umas para as outras alegando que algo as detinha e não havia como deixar as imediações como se houvesse uma barreira invisível que não lhes deixava sair dos limites daqueles 4 objetos que pareciam rodas com símbolos que lembravam olhos como nas penas de um pavão.

 O que há com esses aviões? – Cristiano se perguntava enquanto um elemento novo surgiu em sua mente, do qual não se lembrava: havia algo caindo de um desses aviões em seu sonho antes da explosão, mas esse detalhe não estava claro para Cristiano até ter um “deja vu”.
 Estranho… – Cristiano pensava – era exatamente assim que eu está vestido, só falta um carro frear bruscamente quando uma garotinha de vestido amarelo for pegar a bola em frente à padaria…
 Sai da frente guria! – gritava o motorista de um Gol prata para um menina por volta de 6 anos que pegava sua bola amarela e corria pros braços da mãe.
 Não! Não pode ser! Hoje não!

Cristiano avistou Jennifer que, sem se dar conta de sua aproximação, adentra a uma lotação como num dia qualquer em direção ao trabalho. Ele corre e grita para que o cobrador lhe abra a porta e adentra no exato momento em que um avião liberaria algo que descia vagarosamente, para quem visse, em direção ao solo.
A Cristiano sobrou tempo de ofegar apenas uma frase disparada a Jennifer de supetão quando seus olhares se encontram:

 O dia é hoje. Para onde fugir?
 Para lugar nenhum. – disse Jennifer com expressão severa.
Houve um clarão… um grande estrondo e logo… não havia mais Arujá.

>>. Continua…

Para Willie Nelson

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Willie, o homem vestido de castor (que na verdade era um macaco alado da bruxa do oeste) caminhava alegremente pela estrada de tijolos amarelos que o conduzia de sua casa de madeira submersa até a floresta de sequoias verdejantes do velho oeste quando avista, ainda ao longe, a meros 5 metros de distância, aquele lugar – que outrora fora um museu de épicas conquistas de grandes nomes de um passado distante – em que se lia na placa de entrada: “Monumento ao fundador do Gran Canyon”.

O prédio, de apenas 1 andar térreo, aparentava mais ser uma casa de adobe condenada pela defesa civil, tendo perdido todo o glamour suntuoso lembrado na infância de Willie que agora, com um lágrima vertida do mais profundo de seu coração emergindo sabe-lá por quais vias biológicas por seu olho esquerdo, disse a si mesmo a máxima que esperava ser a última de sua existência:

“Não quero viver num mundo onde não exista um monumento ao fundador do Gran Canyon!”

Correndo com um misto de euforia e miséria, Willie, o homem vestido de castor (que na verdade era um macaco alado), encontra uma alavanca que resolveria todos os seus problemas! Mentalmente, Willie vira a alavanca, já do lado de dentro do prédio condenado, esperando unir-se a eterna escuridão que viria após a explosão do monumento decadente.

…Mas, para a surpresa de Willie, tudo naquele lugar explodiu… menos ele.

Fim

A Máscara de Félix

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30 anos… Depois de 30 anos… O que Félix poderia querer de tão urgente pra me mandar uma mensagem por um meio tão arcaico? Uma carta!

Félix não fazia o tipo de cinquentão atrasado, ele sempre foi pelo progresso. Adorava tecnologia. Quem parasse pra conversar com ele na nossa turma da 7.ª série (faz mais tempo do que eu gostaria que fizesse) ouviria umas mil teorias malucas sobre ficção científica: astronautas em Marte, computadores de mão, telefones capazes de videoconferência, envio de mensagens instantâneas pelo ar para os 4 cantos do mundo… Hoje ninguém acharia as ideias de Félix absurdas, mas na época as pessoas riam de Félix. Quem o visse hoje, um respeitado professor universitário da UFMG, conferencista, com boa casa, netos, hilux, ninguém o imaginaria como quem realmente era: Félix sofria constantes agressões na escola quando “bullying” nem constava nos dicionários. Como se não bastasse, Beatriz, sua irmã, era cega, o que gerava mais provocações contra Félix quando saía e tentava socializar a irmã numa época em que não havia “educação especial”. Que diabos… Às vezes acho que não existe educação nenhuma de qualquer jeito. Quanto mais se vive mais se percebe o quanto as pessoas podem ser mesquinhas… Mas não Félix. Ele era o tipo de pessoa que valia à pena rever. Embora mandar uma carta de repente, depois de 30 anos, sabendo que poderia mandar um torpedo, um e-mail, fazer uma ligação ou uma videoconferência pelo skype seria mais o estilo dele. Enfim… Eu havia sonhado com ele umas duas vezes nessa semana. Estava com uma máscara de teatro no rosto, como no teatro grego, não conseguia me lembrar da peça, mas a máscara de Félix caía e eu sempre acordava antes de ver seu rosto ou de a máscara cair no chão, como naqueles closes lentos nos filmes.

Me preparo para reencontrá-lo. O local combinado é bem bizarro, um resort encrustado na Serra da Mantiqueira há algumas horas de viagem. Não sei de onde diabos Félix tirou a ideia de me convidar pra fazer escalada. Vai ser a terceira vez que faço uma escalada de verdade na vida, mas me pergunto se ainda tenho idade pra isso. Cansa bem mais do que parece.

-Félix! Finalmente meu chapa! Há quanto tempo?

-Bem-vindo Marcos! O que achou das acomodações do Resort?

-Grande Félix! As acomodações são ótimas. Mas eu não ando tão pobre que não pudesse pagar a hospedagem.

-Besteira! Deixe de ser orgulhoso homem! Estamos entre amigos, estamos de férias e eu lhe devia esse presente. Aliás, siga-me, tenho algo pra te mostrar.

-E o que seria?

-Duas portas à direita ao final do corredor. Vamos! – dizia ele com um ânimo infantil e eu me surpreenderia com a visão momentos adiante.

-Marretas?!

-Sim, marretas! Um investimento alternativo em terapia contra raiva. Alguns executivos vem descarregado seu stress nisso aqui. A propósito, o Resort é meu e a ideia das marretas é realmente uma inovação agradável. Pegue esta de 5kg e me acompanhe.

-Ok então, onde exatamente eu devo… Puta que o pariu, Félix! O que você está fazendo?

-Hahahaha! Demolindo meu caro! É para isso que a sala é feita, para ser destruída! Lance todas as suas frustrações sobre a sala! Vai se sentir ótimo!

Nesse ponto as coisas ficam um tanto surreais. A sala estava delicadamente ornamentada com quadros de arte, jarros de flores, estantes com livros, compartimentos, móveis de madeira e Félix estava pondo tudo abaixo a cacetadas. Um estrondo atrás do outro. Tento fazer o mesmo a uma certa distância. Os golpes de Félix são violentos e desferidos em todas as direções. Não poupava nem o piso. Quebrei alguns espelhos apenas para agradar Félix, mas detestei toda aquela barulheira e o pó que saia da parede iria me fazer espirrar a qualquer momento. Félix agora está ensopado de suor e com uma expressão difícil de ler, quase como se seu rosto não transparecesse nada.

-Félix? Acabou?

-… Sim. Que tal almoçarmos em uma hora? O buffet daqui é ótimo.

Havia algo de insano nos olhos de Félix. Seu sorriso durante o almoço mais parecia uma máscara, como em meu sonho, mas é difícil explicar, porque era o rosto dele. Eu tentava entender aquela expressão enquanto ele me falava sobre o resort, sobre as opções de ecoturismo da região, a beleza dos precipícios da serra e da visão que proporcionavam, falou sobre a família em BH, a contabilidade e os impostos, as teorias por trás da estranha “técnica” psicoterápica de que participamos.

Naquela tarde ele me mostrou todas as opções recreativas do resort, escalada, rappel, ecoturismo, piscina, sala de jogos. O lugar era realmente interessante, mas não conseguia deixar de pensar que o sorriso de Félix fosse uma máscara. De fato, sonhei com isso novamente naquela noite.

No dia seguinte, Félix pouco falou durante a escalada. Não me importei porque o esforço de falar enquanto se sobe uma serra em escalada não é exatamente conveniente. Ao final da escalada Félix resolveu quebrar o silêncio.

-Eu venho aqui todos os anos.

-Não sabia disso. A vista daqui é incrível!

-De fato. Mas não é por isso que eu venho aqui. Eu venho pra lembrar…

-Lembrar? Pra lembrar de quê?

-Você se lembra de quando éramos garotos e os “bambambans” começar a provocar minha irmã?

-Não é o tipo de coisa que dá pra esquecer. Uma dúzia de adolescentes encrenqueiro com péssima fama e muita bebida… Péssima combinação. Mas olhe pras vidas que construímos! Onde eles estão agora afinal?

-Isso não muda o que aconteceu… Beatriz se foi naquele dia. E ela não merecia isso…

-Eu preferia não pensar nisso. Eu gostava de Beatriz, você sabe disso. Por que voltar nesse assunto agora?

Félix deu um riso forçado e curto e me disse:

-Marcos, Marcos… Você não se lembra? Faz 32 anos hoje. Ainda me lembro que foi você quem me achou caído enquanto aqueles animais… Nem sei o que teria acontecido sem você lá.

-Ser filho do delegado tinha suas vantagens… Eu só lamento não ter chegado antes. Mas você se recuperou.

-Em 3 meses… Sabe Marcos, você sempre foi a única pessoa que entendia a falta que eu sentia de Beatriz. E a vida continua, não? Dois anos depois você se mudou, continuou a vida.

-E você me mandou aquela carta de despedida com um maço de dinheiro e depois ainda me ajudou a me bancar depois que meu pai morreu. Eu terminei a faculdade de Engenharia, ganhei uns trocados o bastante pra investir e me aposentar cedo, viajei bastante. Só lamento nunca ter tido filhos. Você por outro lado tem a Elisa, virou acadêmico de renome, teve seus 3 filhos, seus netos, o resort. Eu diria que estamos bem, não acha?

-Marcos, eu estou com câncer, Elisa me deixou depois de 25 anos de casados. Você não saberia se eu não dissesse, mas meus filhos estão longe, tão preocupados em cuidar de suas vidas que mal se lembram que tem um pai. Nos vemos 2 vezes por ano e você sabe que pessoas da nossa idade já não tem tantos amigos. E você me perguntou onde estão os “bambambans” hoje. E eu só sei te disser que não sei. E eu me lembro de tudo Marcos…

-Félix… Eu não sei o que dizer… Sinto muito. Mas o que deu na Elisa? E câncer?! Você não devia estar se tratando?

-Eu estou, aqui, agora.

-Desculpe, não sei se entendi.

-Eu não vou morrer numa sala de hospital Marcos. E eu realmente não sei se quero lutar pela vida que tenho. O que é a vida além de fragmentos de beleza envolvidos num oceano de dor e escuridão? Eu só queria que tivesse sido eu e não a Beatriz…

À medida que Félix se aproximava caminhando em direção ao precipício eu entendia… E todas as coisas que eu poderia ter feito eu apenas gritei:

-Félix!

-Sim Marcos? – ele responde plácido como um riacho de caudalosas correntezas.

-…Eu não te condeno.

-Obrigado… amigo.

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E Félix sorriu de um jeito que eu não via há anos enquanto sua máscara caía para sempre. Como em meus sonhos…

Cuidado com Homem-Aranha 3! Pode Ser Fatal!

“Grande campanha de oração pelas causas impossíveis”!

… Ou ao menos era o que dizia a faixa em frente à igrejinha da Santa Libertação em Jericó-MG*.

Poucas vezes se reuniriam nomes de tanto poder espiritual como o do reverendo SS. Conhecido por seu dente de ouro, presente de um milagre divino, em sua boca não tão divina, o reverendo SS realizava proezas pela imposição de mãos e oração com o poder de Deus.

Eram 20h e eu me perguntava se aquilo realmente faria algum efeito, mas tinha fé, apesar do leve constrangimento quando as pessoas começavam a falar engraçado e rodopiar lançando perdigotos santos aos quatro ventos. Eventualmente o reverendo SS colocava a mão sobre a cabeça de algum dos fiéis que perdia o controle motor e lançava-se ao chão. Mal sabia eu que seria o próximo agraciado com a perda do controle motor sem propósito aparente.

Impondo as mãos em um a um do círculo, o reverendo finalmente se aproximou de mim, impôs suas mãos sobre minha cabeça e eu me senti como se caísse em minha cama sonolento e sem conseguir mover um músculo do pescoço pra baixo. Para me resguardar do rigor da gravidade, ao cair, o reverendo me segurou e me pôs delicadamente no chão junto aos outros fiéis, pelo que lhe agradeci com um “obrigado” antes de tocar o chão. Seu rosto com uma expressão austera e convicta precede duras palavras que me deixaria de aviso:

– Você realmente devia deixar de ir ao cinema. Especialmente se for pra ver o Homem-Aranha 3!
– Eu ouvi dizer que é um bom filme.
– Não vá ao cinema! – ele me disse.
– Pode deixar que eu vou ver sim! – repliquei meio surdo.
– Não vá ao cinema! Especialmente se for pra ver o Homem-Aranha 3! Pode ser fatal! – ele me adverte.

Após o aviso, desperto ciente de que eu deveria ligar para minha namorada imediatamente e lhe avisar para evitar os cinemas até que alguma desgraça seja noticiada nos jornais e tudo volte a ser como antigamente.

São quase 5 da manhã e foi tudo um sonho… Um sonho que me fez acender as luzes e ligar o computador para assistir That 70’s Show tentando esquecer o terror de tão enfática advertência… “Cuidado com Homem-Aranha 3! Pode Ser Fatal!”
Nem me lembro da última vez que pensei em ir ao cinema. Não leio Homem-Aranha há meses, nem vejo tv. Mas o aviso ecoou de tal forma em minha mente que me recordei… numa noite qualquer há 3 anos ou mais eu estive num cinema e vi esse filme. Hoje eu finalmente entendi o aviso…

Terror no Mini-Shopping

jornalismoverdade

[Vinheta] No ar o seu programa diários de jornalismo da tarde: Balanço Específico! Balança os balangandãs!

[O jornalista Carlos Feitosa flagrado vendo conteúdo impróprio para menores em seu i-pod ao vivo]

Carlos: -Give to me baby! Give to me bitch! Epa! Já tamo no ar?! …Boa tarde! No ar mais uma edição do seu… bem, você já tá de saco cheio de saber o nome do programa, pôxa! Nossos repórteres agora ao vivo [não ao vivo mais tarde… afff] do Centro de Guarulhos tem mais informações ao vivo do terrível assalto ao Poli Pocket… digo, Shopping. É com você Maria Nilza!

Maria Nilza, the reporter: Pois é Carlos! Estamos aqui [muito feliz!] ao vivo fazendo cara de conteúdo acompanhando essa tragédia. Uma das reféns ao ser liberada pelos “assaltantes, sequestradores, terroristas internacionais, manos do gueto, da quebrada, tudo sangui boum, tá ligado?” se jogou num claro surto psicótico de cara na parede na saída do estacionamento, não se dando conta do bueiro aberto de 2 metros de largura e quarenta e deiz metru di profundidadi. Não se sabe como será o desfecho dessa história, mas nós torcemos por uma tragédia (que aí a audiência vai pras alturas)! E o céu é o limite! “Espaço, a fronteira final!” É com você Carlos!

Carlos: – Como é que é diretor? Temos imagens aéreas ao vivo? Põe na tela! Comercial Arlindo? Beleza… A gente volta pra acompanhar esse caso dentro de instantes mas parece que outra refém acaba de ser liberada e está a fugir do Shopping Poli de caiaque pelo rio Tietê! Você não pode perder! É çençaçionáu!

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