Sertão nordestino, região do centro-oeste baiano. Foco de mais uma história de desumanidades. Essa é a história de Juliana. Apenas Juliana, sem nem um sobrenome sequer. Juliana não existe para a sociedade. Não se sabe se algum dia já fora registrada… Se foi, seus registros se perderam no tempo…
Apesar de desgastada por anos de maus tratos, Juliana permanece firme em seu trabalho corriqueiro. Sob condições aviltantes desde sua mais tenra idade, Juliana nunca conhecera a dignidade. Nunca frequentara uma escola quando criança. Aos olhos de seus patrões, sua única função é a de “burro de carga”.
Há mais de 30 anos, Juliana enfrenta cargas de toda a espécie a calor diário típico do semi-árido, entre 32 a 4000 graus, transportando desde pedras para construção, até a coleta de leguminosas de sinhá Madalena que, quando muito, lhe retribue apenas o bastante para perpetuar-lhe o vício do álcool. À pobre Juliana resta apenas a conformidade de não possuir dinheiro o bastante para uma alimentação digna.
A jornada de trabalho dessa senhora que já há muito passara dos 40 (não se sabe ao certo a idade de Juliana), começa às 5h da manhã e dá-se por encerrada às 5h da tarde tendo uma insignificante pausa para o almoço quando seus senhores descansam negligenciando o alimento reparador para Juliana, que não tem família nem nunca teve ninguém que a defendesse.
Suas ferragens tem se degenerado pelos dias de esforço excessivo exposta ao sol, chuva e lama, sem mencionar as toneladas que é obrigada a transportar quase diariamente. Sem nenhum respeito próprio, a rotina de Juliana é ser humilhada e taxada de inútil. Suas poucas tentativas de protesto sempre são aplacadas pela fúria de seus senhores quando esta se cansa ou se nega ao trabalho por não estar em condições. Aos seus tímidos protestos retaliam as pessoas das mais diversas classes sociais com xingamentos de toda espécie – seus defeitos são ajeitados com qualquer gambiarra para que continue seu trabalho, além das ameaças de ser substituída por uma F-1000 semi-nova em melhor estado.
Destituída de qualquer prazer de viver, nunca tendo conhecido o significado do que é “ser humano” com sua aparência idosa tendo já passado por diversas substituições de peças, nos seus poucos e últimos dias de vida lhe resta apenas continuar a ser explorada até que seu pobre motor desgastado tenha seu devido descanso no descaso…
A única tímida esperança que lhe resta é ser relegada ao esquecimento num ferro-velho qualquer onde não ler-se-á numa lápide:
“Aqui jazem os restos mortais duma esquecida, não amada, e sem família. Eis aqui os restos mortais de um exemplo de abnegação total e nulidade, um modelo de caminhonete desconhecido e não mais fabricado, cujo legado será, ironicamente, motivo de chacota entre os ibipitanguenses de várias gerações até que Juliana seja finalmente substituída por outra caminhonete qualquer… e assim, transportada peça por peça ao eterno vazio do esquecimento…
Em memória de Juliana – a caminhonete mais triste que eu já conheci.