Alquimia Mamária

xananaá-nana-nááá (vai-vai-vai-vai)

“Coitada! Era apenas uma vendedora de cocada!”, diriam as pessoas dali em diante. E era verdade. Tanto alarde por um feitiçozinho de merda à toa… Mas enfim.

A dona não vendia só cocadas, tinha outra barraca  a 50m da primeira, onde vendia  pregos e parafusos. São tempos difíceis para todos e eu havia prometido não usar meus poderes em benefício próprio. Teria que arrumar emprego depois de uma recessão pessoal de 4 meses parado… E nada de alquimia!
Como o mercado de trabalho anda difícil e são poucas as oportunidades pra quem não terminou o ensino superior, em 1 semana,  roubei da referida dona 2 cocadas.
Era todo o dia  a mesma ladainha: acordar, levar currículos em buracos do inferno, falar com algumas selecionadoras de RH com QI de calço de porta, ver meus e-mails e fazer o caminho de volta pra casa pela feirinha. Até aí tudo bem, até quarta-feira passada.
Exausto e morto de fome, passei pela barraca da dona Ednaide e  eu a cumprimentei com um “oi”. Perguntei da família e disfarcei enquanto levava uma das últimas 3 cocadas escuras, como já era tarde, achei que ela não repararia, ela própria comia algumas no decorrer do dia pelo cansaço, até que o sobrinho de 11 anos a substituisse para a pausa do almoço. Não era má pessoa a dona Ednaide, mas quando se tratava de grana a mulher se tornava num verdadeiro demônio!
Na sexta-feira eu estava bem pior, a fadiga e o mau humor depois de alguns “nãos” de estagiárias de psicologia retardadas não contribuiu muito para aguçar minha coordenação motora. Eu estava hipoglicêmico. Não sei mais porque diabos não simplesmente tranformei aqueles funcionários engomadinhos e seus chefes idiotas em pedra enquanto tive a chance… Droga de promessa! Uma garota aparece na sua vida, descobre que você vem de uma linhagem de  alquimistas com poder de transmutar a matéria e ela encarna o “tio Ben” dizendo que “com grandes poderes vem grandes responsabilidades” e que eu “não devia usar isso para benefício próprio”. Um ano e meio depois de me obrigar a fazer essa promessa idiota  ela desaparece da cidade porque “não tava pronta pra um relacionamento mais sério” e precisava “mudar de ares”. Enfiei o anel de noivado, parcelado em 12 vezes no cartão de crédito, numa gaveta ao invés de mandá-la tragá-lo goela abaixo. Já se passaram mais 8 meses e mal nos vemos e eu ainda com aquela velha esperança de que ela me escolha, assim como eu a escolhi. “Hope is a bitch!” …ouvi algo assim no CSI, acho que se aplica aqui.
Maldição! Me perdi em devaneios! Bem, a idéia era de eu contar o que aconteceu na sexta-feira passada e não fazer um resumo da minha vida… Depois de todos os infortúnios, fui para casa, atravessando a feirinha  e, dessa vez, dona Ednaide estava de costas. O dia parecia ter sido devagar e havia umas 5 cocadas expostas – achei que iria ser fácil pegar e sair sem ser notado e me descuidei tremendo de hipoglicemia. Derrubei um dos porta-guardanapos. Dona Ednaide  se virou com a velocidade de um demônio velho e me algemou à sua barraca.
– Aha! Engraçadinho! Banca o amistoso, esforçado, pergunta da minha família, mas você vem aqui pra tirar o meu lucro, não é? Você acha justo pegar o que não lhe pertence, seu ladrãozinho?
– Mas é comida, os tempos estão difíceis, não estão empregando qualquer pessoa dona Ednaide. Se quiser, posso lhe pagar assim que conseguir um pé-de-meia, juro!
– Acha que eu sou besta de confiar em ladrão? Meu sobrinho vinha me ajudar na quarta-feira à tarde a desarmar a barraca e o que ele viu? Um marmanjo velho roubando cocada! Você desequilibrou meu Feng Shuei com suas mãos imundas de ladrão e nessa quinta e sexta só vendi metade do que de costume! Você vai se ver com o delegado, espere só eu achar meu celular!
E continuava bradando impropérios dizendo que eu ia pagar por ser descarado. Feng Shuei… Bom tem maluco pra tudo. Um dos irmãos de dona Ednaide tinha se casado con uma japonesa de nome Sakura sabe-Deus-o-quê (nunca fui bom em guardar nomes orientais). De fato Sakura ficou tão amiga de sua cunhada que a infectou com suas supertições. Acho que as pessoas tendem a acreditar em energias místicas e magias porque não estão cientes de como decompôr e recompôr a matéria. Meus avós me ensinaram bem a Alquimia, está mais pra ciência do que magia na verdade. 13 gerações e justo na minha vez meus pais estão tão ocupados com seu status social na liderança da firma de advocacia que meus avós tiveram que me ensinar. Meus avós sempre gostaram de mim e me ensinaram bem, mas havia certa vergonha nisso. Era pra ser uma coisa de pais e filhos…
Que diabos! Lá vou eu me lançando em reminescências… Voltando à  cena da dona Ednaide. Eu disse mais uma vez que  pagaria os 2 reais das duas cocadas, mas a mulher estava me cobrando 20 reais sob a justificativa que sendo 10 vezes mais caro eu estaria pagando pelo dano moral  de ter lhe roubado as cocadas na maior cara de pau, já que éramos conhecidos. Eu enfio a mão esquerda pelos  bolsos e acho R$ 2,45 (3 moedas de 25 e todo o resto de 10 centavos), um refil de amostra grátis de perfume com uma meleca marrom dentro que parecia caramelo derretido, 1 clips de papel grande, poeira e um monte de pequenos botões que não sei como diabos foram parar ali!
Tento pagar dona Ednaide, mas a mulher, insistente, berrava  que eu ainda lhe devia (uma moto passa pela rua e se intromete no meu sonho ao passo que rolo de uma vez pra direita e encosto num bolinho amassado do Edredon e penso: Ai meu Deus! Um dos peitos da Ednaide veio parar aqui!). Ao retomar o sonho  eu havia jogado uma praga na vendedora,  que agora tinha apenas 1 seio  e gritava desesperada. Não foi bem uma praga.  Usei um pouco de pirotecnia, fiz meus olhos ficarem amarelos fosforescentes e algumas pedras virarem vidro só de sacanagem. Separei o seio do corpo e transmutei o tecido que deveria inflamar em pele viva. Nada de dor na dona e o danado do peito continuava vivo, mas em meu poder. Nem me lembro bem do que eu disse…  Deve ter sido algo como: “Hostes da escuridão, apartai dessa mulher aquilo que lhe traz satisfação!” rima mais piegas só em gibi do Thor. De fato dona Ednaide atrai alguns fregueses com outro tipo de cocada… Mulher ainda jovem, o viço que a natureza lhe preservava, Satan lhe assegurava a avareza em igual proporção.
Voltando pra casa,  eu não tinha a menor idéia do que fazer com aquele montinho circular que parecia uma peteca na minha mão. Fui pra minha biblioteca pessoal, que comecei a montar com tudo que lia desde os 9 anos. Folheando um livro didático de educação física da 5.ª série (que peguei não entendo por qual motivo) vi uma foto de um jogo de peteca, mas a peteca havia se tornado no seio roubado em minha imaginação. Ri tanto que provavelmente fui feliz para sempre até acordar para registrar esse texto e voltar a dormir!
Minha cabeça me prega peças enquanto durmo. Definitivamente há meios melhores de usar a alquimia no mundo dos sonhos…