Quando Asimov e Alzheimer se Encontram

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Sabe aqueles dias terríveis que você simplesmente chega em casa pregado de cansaço esperando a morte chegar simplesmente por não ter nada melhor com uma dor de cabeça dos diabos e tudo que seu corpo pede é cama?

Também pudera. Você escolhe uma droga de profissão e tem que continuar com ela até que a morte os repare pensando em todas as possibilidades q vc poderia ter escolhido pra sua vida e imaginando como todas elas terminariam num invariável fracasso. Então você se deita com o ventilador ligado esperando que as trevas de um fechar de olhos levem embora as lembranças de sua vida diúrna e não sonha com coisa alguma de tanto cansaço apenas pra perceber que você acaba de ser lançado 30 anos no futuro por uma singularidade quântica, que você agora está velho com a morte às portas aguardando teu último peido ardido enquanto você se levanta esfomeado pra descobrir que sua esposa que você nem ao menos conhecia antes de dormir fez bolo de milho e café fresco e foi fazer a feira da semana porque sua maldita hérnia dói como os inferno e os pássaros começam a cantar uma canção que lembra outros mundos quando você ainda habitava um planetinha chamado Terra num buraco de esgoto qualquer da via láctea e descobre que em realidade seus melhores 5 minutos por lá foram exatamente os que antecederam seu misterioso desaparecimento deixando seus amigos enlutados, seu chefe puto e meia dúzia de boletos por pagar, não necessariamente na mesma ordem já que demorou cerca de 4 dias pra as pessoas se tocarem que você tinha evaporado pra lugar nenhum, onde de fato agora você está, sem se lembrar de droga nenhuma dos últimos 30 anos exceto de quando você foi se deitar com as têmporas ardendo e acordou numa realidade alternativa 735,4268 parsecs na extremidade oposta do cosmos para comer bolo com café ouvindo pássaros cantarem uma música do Mudvayne que creio se chamar “Adeus” sabendo que você tem ao lado uma pessoa que te ama, mas que você não sabe quem é porque não se lembra de mais da metade de sua vida, mas que foi na feira em seu lugar e continua contigo mesmo você mal se lembrando o nome dela e de seus 4 filhos e ainda faz bolo de milho com café pra que você tome ao acordar tendo deixado pra trás seu planetóide de 4 dimensões por algo maior com céu mais laranja que o cabelo da Hayley Williams, árvores de copas de um azul gentil, pássaros que gorgeiam Mudvayne e bolo amarelo macio com café novo. Nesses momentos você sabe que sua vida valeu à pena, então, por mim tudo bem se meu mundo está do outro lado do espaço e eu mal me lembro o meu ou o teu nome. Ah! Chegou alguém em casa. Tenho que ir lá dizer que a amo. A propósito, quer um pouco de bolo de milho com café? Tá uma delícia!

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Filosofia ao Pé da Letra ou Ensino Médio Rules

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O QUE É DÚVIDA?

Dúvida é aquilo que eu sinto ao responder esse trabalho.

TEMOS O CONHECIMENTO QUE ACREDITAMOS TER?

Não, porque se tivéssemos não existiria escola.

A RAZÃO É UMA FONTE CONFIÁVEL DE CONHECIMENTO?

Se não for então… pra que estou respondendo esse trabalho?

O MUNDO É EXATAMENTE COMO O VEMOS?

Não. Algumas pessoas tem problemas de vista.

OS SENTIDOS SÃO UMA FONTE CONFIÁVEL DE CONHECIMENTO?

Só pra sobreviver na natureza. Pra responder provas de filosofia não ajudam muito.

A Máscara de Félix

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30 anos… Depois de 30 anos… O que Félix poderia querer de tão urgente pra me mandar uma mensagem por um meio tão arcaico? Uma carta!

Félix não fazia o tipo de cinquentão atrasado, ele sempre foi pelo progresso. Adorava tecnologia. Quem parasse pra conversar com ele na nossa turma da 7.ª série (faz mais tempo do que eu gostaria que fizesse) ouviria umas mil teorias malucas sobre ficção científica: astronautas em Marte, computadores de mão, telefones capazes de videoconferência, envio de mensagens instantâneas pelo ar para os 4 cantos do mundo… Hoje ninguém acharia as ideias de Félix absurdas, mas na época as pessoas riam de Félix. Quem o visse hoje, um respeitado professor universitário da UFMG, conferencista, com boa casa, netos, hilux, ninguém o imaginaria como quem realmente era: Félix sofria constantes agressões na escola quando “bullying” nem constava nos dicionários. Como se não bastasse, Beatriz, sua irmã, era cega, o que gerava mais provocações contra Félix quando saía e tentava socializar a irmã numa época em que não havia “educação especial”. Que diabos… Às vezes acho que não existe educação nenhuma de qualquer jeito. Quanto mais se vive mais se percebe o quanto as pessoas podem ser mesquinhas… Mas não Félix. Ele era o tipo de pessoa que valia à pena rever. Embora mandar uma carta de repente, depois de 30 anos, sabendo que poderia mandar um torpedo, um e-mail, fazer uma ligação ou uma videoconferência pelo skype seria mais o estilo dele. Enfim… Eu havia sonhado com ele umas duas vezes nessa semana. Estava com uma máscara de teatro no rosto, como no teatro grego, não conseguia me lembrar da peça, mas a máscara de Félix caía e eu sempre acordava antes de ver seu rosto ou de a máscara cair no chão, como naqueles closes lentos nos filmes.

Me preparo para reencontrá-lo. O local combinado é bem bizarro, um resort encrustado na Serra da Mantiqueira há algumas horas de viagem. Não sei de onde diabos Félix tirou a ideia de me convidar pra fazer escalada. Vai ser a terceira vez que faço uma escalada de verdade na vida, mas me pergunto se ainda tenho idade pra isso. Cansa bem mais do que parece.

-Félix! Finalmente meu chapa! Há quanto tempo?

-Bem-vindo Marcos! O que achou das acomodações do Resort?

-Grande Félix! As acomodações são ótimas. Mas eu não ando tão pobre que não pudesse pagar a hospedagem.

-Besteira! Deixe de ser orgulhoso homem! Estamos entre amigos, estamos de férias e eu lhe devia esse presente. Aliás, siga-me, tenho algo pra te mostrar.

-E o que seria?

-Duas portas à direita ao final do corredor. Vamos! – dizia ele com um ânimo infantil e eu me surpreenderia com a visão momentos adiante.

-Marretas?!

-Sim, marretas! Um investimento alternativo em terapia contra raiva. Alguns executivos vem descarregado seu stress nisso aqui. A propósito, o Resort é meu e a ideia das marretas é realmente uma inovação agradável. Pegue esta de 5kg e me acompanhe.

-Ok então, onde exatamente eu devo… Puta que o pariu, Félix! O que você está fazendo?

-Hahahaha! Demolindo meu caro! É para isso que a sala é feita, para ser destruída! Lance todas as suas frustrações sobre a sala! Vai se sentir ótimo!

Nesse ponto as coisas ficam um tanto surreais. A sala estava delicadamente ornamentada com quadros de arte, jarros de flores, estantes com livros, compartimentos, móveis de madeira e Félix estava pondo tudo abaixo a cacetadas. Um estrondo atrás do outro. Tento fazer o mesmo a uma certa distância. Os golpes de Félix são violentos e desferidos em todas as direções. Não poupava nem o piso. Quebrei alguns espelhos apenas para agradar Félix, mas detestei toda aquela barulheira e o pó que saia da parede iria me fazer espirrar a qualquer momento. Félix agora está ensopado de suor e com uma expressão difícil de ler, quase como se seu rosto não transparecesse nada.

-Félix? Acabou?

-… Sim. Que tal almoçarmos em uma hora? O buffet daqui é ótimo.

Havia algo de insano nos olhos de Félix. Seu sorriso durante o almoço mais parecia uma máscara, como em meu sonho, mas é difícil explicar, porque era o rosto dele. Eu tentava entender aquela expressão enquanto ele me falava sobre o resort, sobre as opções de ecoturismo da região, a beleza dos precipícios da serra e da visão que proporcionavam, falou sobre a família em BH, a contabilidade e os impostos, as teorias por trás da estranha “técnica” psicoterápica de que participamos.

Naquela tarde ele me mostrou todas as opções recreativas do resort, escalada, rappel, ecoturismo, piscina, sala de jogos. O lugar era realmente interessante, mas não conseguia deixar de pensar que o sorriso de Félix fosse uma máscara. De fato, sonhei com isso novamente naquela noite.

No dia seguinte, Félix pouco falou durante a escalada. Não me importei porque o esforço de falar enquanto se sobe uma serra em escalada não é exatamente conveniente. Ao final da escalada Félix resolveu quebrar o silêncio.

-Eu venho aqui todos os anos.

-Não sabia disso. A vista daqui é incrível!

-De fato. Mas não é por isso que eu venho aqui. Eu venho pra lembrar…

-Lembrar? Pra lembrar de quê?

-Você se lembra de quando éramos garotos e os “bambambans” começar a provocar minha irmã?

-Não é o tipo de coisa que dá pra esquecer. Uma dúzia de adolescentes encrenqueiro com péssima fama e muita bebida… Péssima combinação. Mas olhe pras vidas que construímos! Onde eles estão agora afinal?

-Isso não muda o que aconteceu… Beatriz se foi naquele dia. E ela não merecia isso…

-Eu preferia não pensar nisso. Eu gostava de Beatriz, você sabe disso. Por que voltar nesse assunto agora?

Félix deu um riso forçado e curto e me disse:

-Marcos, Marcos… Você não se lembra? Faz 32 anos hoje. Ainda me lembro que foi você quem me achou caído enquanto aqueles animais… Nem sei o que teria acontecido sem você lá.

-Ser filho do delegado tinha suas vantagens… Eu só lamento não ter chegado antes. Mas você se recuperou.

-Em 3 meses… Sabe Marcos, você sempre foi a única pessoa que entendia a falta que eu sentia de Beatriz. E a vida continua, não? Dois anos depois você se mudou, continuou a vida.

-E você me mandou aquela carta de despedida com um maço de dinheiro e depois ainda me ajudou a me bancar depois que meu pai morreu. Eu terminei a faculdade de Engenharia, ganhei uns trocados o bastante pra investir e me aposentar cedo, viajei bastante. Só lamento nunca ter tido filhos. Você por outro lado tem a Elisa, virou acadêmico de renome, teve seus 3 filhos, seus netos, o resort. Eu diria que estamos bem, não acha?

-Marcos, eu estou com câncer, Elisa me deixou depois de 25 anos de casados. Você não saberia se eu não dissesse, mas meus filhos estão longe, tão preocupados em cuidar de suas vidas que mal se lembram que tem um pai. Nos vemos 2 vezes por ano e você sabe que pessoas da nossa idade já não tem tantos amigos. E você me perguntou onde estão os “bambambans” hoje. E eu só sei te disser que não sei. E eu me lembro de tudo Marcos…

-Félix… Eu não sei o que dizer… Sinto muito. Mas o que deu na Elisa? E câncer?! Você não devia estar se tratando?

-Eu estou, aqui, agora.

-Desculpe, não sei se entendi.

-Eu não vou morrer numa sala de hospital Marcos. E eu realmente não sei se quero lutar pela vida que tenho. O que é a vida além de fragmentos de beleza envolvidos num oceano de dor e escuridão? Eu só queria que tivesse sido eu e não a Beatriz…

À medida que Félix se aproximava caminhando em direção ao precipício eu entendia… E todas as coisas que eu poderia ter feito eu apenas gritei:

-Félix!

-Sim Marcos? – ele responde plácido como um riacho de caudalosas correntezas.

-…Eu não te condeno.

-Obrigado… amigo.

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E Félix sorriu de um jeito que eu não via há anos enquanto sua máscara caía para sempre. Como em meus sonhos…