As Viagens Interdimensionais de Johnny B. Goode – Episódio 01

aliens

Eu estava de férias no Rio de Janeiro e, como todo bom turista, queria ver o Cristo Redentor, mas a cidade já não era a mesma: estava parcialmente alagada e novas construções hi-tech se projetavam às alturas contra a lei da gravidade. Entre elas havia várias jacuzzis no formato de cuias com um acabamento que fazia pensar se não seriam 3 cuias, uma dentro da outra, todas flutuando no ar, bem acima do Cristo.

Como se já não fosse estranho o suficiente, havia um grande totem erigido de modo a ultrapassar o Cristo Redentor em altura, com vários jardins suspensos sobre ele.

“É um péssimo momento pra enfrentar meu medo de altura”, pensei. Mesmo assim, eu e mais um casal de turistas, entramos na fila para o banho de jacuzzi, que era uma atração muito popular entre os turistas.

Ao entrarmos, houve um problema com o sistema eletromagnético de suspensão, de modo que fomos arremessados, os 3, pra fora da piscina numa velocidade absurdamente alta. Enquanto senti a queda, só me restou pensar: “Pronto, tô morto”. Eu via o Totem e o Cristo enquanto a vertical da morte nos aproximava do chão, mas caímos os 3 numa das zonas alagadas da cidade. Estávamos vivos! …Mas perdi minha mochila.

A medida que a onda de choque passava, involuntária e automaticamente, fomos lançados para uma das zonas de comércio, parcialmente alagadas do RJ. Sem camisa, perdido na queda, fui tentar entender onde estava quando, de repente, um movimento popular de revoltosos surge do nada! Consigo arranjar um colete de couro e, quando me olho no espelho, estou com cabelos lisos caindo sobre as sobrancelhas, e uma barba digna de um profeta bíblico… Sou arremessado pela segunda onda de manifestantes (que destruía tudo por onde passava) contra um outdoor e busco refúgio dentro de um ônibus interestadual (que parecia ser da Transdutra) que se dirigia para Curitiba. Depois da viagem, descubro 2 de minhas ex-colegas de faculdade dentro do ônibus. Conversamos e descemos onde deveria ser a rua 15 de Novembro (que nem é tão perto da rodoviária) e a rua estava em movimento de pico por conta de uma feira que estava acontecendo ali (mas a rua parecia mais a praça da feira de Ibipitanga-BA, por alguma razão inexplicável). Me despeço de minhas colegas e decido procurar minha mochila e meu laptop nos sites de “achados e perdidos”, quando uma onda catastrófica de inundações e deslizamentos de terra assolam todos os pontos secos do mundo.

Perco parte da memória e, dias depois, me vejo num abrigo próximo a uma floresta num local desconhecido. Estou desnutrido e quero água. Mas há 16 formas de água e nem todas se podem beber…

Converso com a líder do acampamento… Era a mesma líder dos manifestantes do RJ. E tinha certo zelo pela vida humana, mas agia como uma chefe de gangue, devido a sua ideologia política de esquerda, e não aceitava questionamentos.

Uma criança, que ouviu minha conversa com a líder, fica estranhamente interessada em minha mochila, como se meu laptop fosse a chave para se comunicar com os aliens e se ver livre desse planeta destinado à morte. Mas todos sabemos que os aliens só resgatarão uma única pessoa… eles mesmos já disseram no jornal.

Mas a menina tinha tendências sociopáticas e era extremamente inteligente. Eu descubro, por comentários de meninos xucros que estavam passeando na floresta, a descrição de um objeto que tinha que ser minha mochila, mas estava com muita sede para ir ao local e olho os 16 exemplares de água que os manifestantes colheram para análise.

“Dessa você pode beber!” – disse a menina com um sorriso diabólico. Como era um sinal de desrespeito aos manifestantes desconsiderar seus comentários, por mais crianças que fossem, resolvi beber (afinal, estava doido de sede). Não sabia o que significava o rótulo. “Água ébria”… Nunca vou me esquecer dessas palavras. A garota ri e ruma para pegar minha mochila, ao que a líder entra na sala e me diz: “Você tomou a água ébria? Ficou louco? Ela vai desidratar todo o seu organismo! Não é para beber, é para matar! Como penitência, você deverá correr até o Cristo e retornar. Talvez o calor possa fazê-la evaporar de dentro de você pra fora. Mas você só tem 5 minutos. É sua punição eterna!”

Eu obedeço imaginando se essa mulher não estaria louca, mas me sinto ressecado por dentro e corro com uma energia que não parecia se esgotar. O Cristo redentor não estava a mais de 2 ou 3 quilômetros de onde estávamos e podia ser visto no horizonte de uma ladeira. Estava torto e não havia água perto. Também não me dizia nada sobre minha localização, já que muitos monumentos pareciam fora de seu devido lugar depois do desastre, pelo que me disseram…

Enquanto corro a estrada de volta avisto uma improvável zona de comércio onde havia amendoins japoneses salgados e resolvo comer para morrer feliz. Também havia pães de queijo, mas a velocidade estava fazendo minhas partículas vibrarem tão rapidamente que eu atravessava dimensões. Resultado: Acabei retornando a Guarulhos, num mercado do Carmela onde ainda havia amendoins japoneses, mas pães de queijo não mais existiam em parte alguma…

A Trágica Trajetória Uniforme Retilínea de Juliana

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Uma história baseada em fatos reais… E paga em dólares!

Sertão nordestino, região do centro-oeste baiano. Foco de mais uma história de desumanidades. Essa é a história de Juliana. Apenas Juliana, sem nem um sobrenome sequer. Juliana não existe para a sociedade. Não se sabe se algum dia já fora registrada… Se foi, seus registros se perderam no tempo…

Apesar de desgastada por anos de maus tratos, Juliana permanece firme em seu trabalho corriqueiro. Sob condições aviltantes desde sua mais tenra idade, Juliana nunca conhecera a dignidade. Nunca frequentara uma escola quando criança. Aos olhos de seus patrões, sua única função é a de “burro de carga”.

Há mais de 30 anos, Juliana enfrenta cargas de toda a espécie a calor diário típico do semi-árido, entre 32 a 4000 graus, transportando desde pedras para construção, até a coleta de leguminosas de sinhá Madalena que, quando muito, lhe retribue apenas o bastante para perpetuar-lhe o vício do álcool. À pobre Juliana resta apenas a conformidade de não possuir dinheiro o bastante para uma alimentação digna.

A jornada de trabalho dessa senhora que já há muito passara dos 40 (não se sabe ao certo a idade de Juliana), começa às 5h da manhã e dá-se por encerrada às 5h da tarde tendo uma insignificante pausa para o almoço quando seus senhores descansam negligenciando o alimento reparador para Juliana, que não tem família nem nunca teve ninguém que a defendesse.

Suas ferragens tem se degenerado pelos dias de esforço excessivo exposta ao sol, chuva e lama, sem mencionar as toneladas que é obrigada a transportar quase diariamente. Sem nenhum respeito próprio, a rotina de Juliana é ser humilhada e taxada de inútil. Suas poucas tentativas de protesto sempre são aplacadas pela fúria de seus senhores quando esta se cansa ou se nega ao trabalho por não estar em condições. Aos seus tímidos protestos retaliam as pessoas das mais diversas classes sociais com xingamentos de toda espécie – seus defeitos são ajeitados com qualquer gambiarra para que continue seu trabalho, além das ameaças de ser substituída por uma F-1000 semi-nova em melhor estado.

Destituída de qualquer prazer de viver, nunca tendo conhecido o significado do que é “ser humano” com sua aparência idosa tendo já passado por diversas substituições de peças, nos seus poucos e últimos dias de vida lhe resta apenas continuar a ser explorada até que seu pobre motor desgastado tenha seu devido descanso no descaso…

A única tímida esperança que lhe resta é ser relegada ao esquecimento num ferro-velho qualquer onde não ler-se-á numa lápide:

“Aqui jazem os restos mortais duma esquecida, não amada, e sem família. Eis aqui os restos mortais de um exemplo de abnegação total e nulidade, um modelo de caminhonete desconhecido e não mais fabricado, cujo legado será, ironicamente, motivo de chacota entre os ibipitanguenses de várias gerações até que Juliana seja finalmente substituída por outra caminhonete qualquer… e assim, transportada peça por peça ao eterno vazio do esquecimento…

Em memória de Juliana – a caminhonete mais triste que eu já conheci.