Jim E Seu Brinco Maravilhoso

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“Outro dia qualquer o século XXII ainda vai cair em pedaços” era o que Jim pensava enquanto assistia o noticiário no café da manhã antes de se apresentar na sessão aberta de prestação de contas da Câmara de Vereadores de sua cidade após o incidente dos soterramentos em massa.

Como coisas estranhas andavam acontecendo com o clima desde que os pólos derreteram e 6 dos 12 maiores vulcões do planeta despertaram com grande atividade. Os tempos eram estranhos e a própria Câmara de Vereadores havia sido soterrada de modo que a reunião aconteceria na própria Prefeitura.

“Nada poderia ser pior pra começar o dia”, imaginava Jim, um jovem aficionado por histórias em quadrinhos ainda com devaneios de dias de aventura em plenos 19 anos de idade.

– Jim, ou você entra nesse carro ou esquece a carona! Eu tenho horário! – gritava Arnaldo Oswald, seu pai, enquanto o sonhador enfiava uma última colherada de cuzcuz goela abaixo, já de pé, enquanto desligava a TV e correr para o carro voador de seu pai.

-Você tá em cima da hora de novo… – disse Heloísa quando Jim chegou ao trabalho – mas eu nem sei porque me dou ao trabalho de te avisar. Pega o celutablet e grava o que der da reunião, ok?

Nota:  *Celutablet é aparelho dobrável que substituiu tablets e celulares em 2089,  inventado por Eustáquio de Coimbra, Ibipitanguense que herdou a Microsoft após descobrir que o bisavô de Bill Gates havia andado de putaria em SP com uma futura ex-prostituta Ibipitanguense que viria fugida reencontrar seus familiares, que a renegaram, o que fadou apobre alma a se reproduzir em troca de incentivos monetários na antiga “rua do Articum”. Sendo o único elo familiar de Bill Gates e bisneto de um dos poucos retirantes nordestinos sobreviventes do massacre ocorrido na grande “Batalha da Anhanguera”, de 2026, pouco antes da destruição de Arujá por uma bomba nuclear, conforme está escrito no livro das Crônicas Nordestinas do Google. Para maiores informações, pesquise no banco de dados do Google pelos Verbetes: “Cristiano e a Profetiza de Arujá”.

Heloísa, da mesma idade que Jim, estava trabalhando há apenas 3 meses na prefeitura, mas tinha um modo muito profissional d lidar até com funções bobas do dia-a-dia. Mas Jim mal conseguia prestar atenção no que ela dizia por conta do tamanho do decote que ela usava enquanto pensava se era possível fabricar roupas que disfarçassem o volume ostentado por Heloísa, sem saber ao certo se isso seria boa ou má ideia, mas tendo convicção de que trabalharia melhor sem certas distrações.

-Digníssimos representantes dessa casa, a razão de nossa presente reunião aberta a público terá por pauta a prestação de contas do exercício dos meses de janeiro a abril, bem como a votação do local para a construção da nova Câmara de Vereadores, haja vista que o local da antiga se encontra em estado impróprio para construções após avaliação dos engenheiros da prefeitura – disse o Presidente da Câmara.

O fato é que, após as inundações (que tomaram 30% das áreas baixas e planícies do globo em grandes lagos salobros, alguns dos quais imundos inclusive, reflexos da poluição do século anterior) as zonas mais altas se tornaram as únicas disponíveis para moradia, mas os pobres viviam em regiões intermediárias, sempre sujeitas a deslizamentos do que quer que estivesse em cima. Por alguma razão desconhecida, todo o solo do planeta adquiriu uma consistência arenosa difícil de estabilizar e deslizamentos de construções verticais eram constantes. Tão constantes que estavam em desuso. As remanescentes era patrimônios histórico que eram constantemente tombados… Literalmente.

– Ninguém se mexe! – gritava um oficial da milícia civil, entidade que substituiu a polícia militar após a terceira guerra mundial. Senhores Manfred Pereira, o Roberto Guedes, o Antony Hernandez e o Fernando Bastos Schneider, os senhores estão presos por desviar verba pública para uso pessoal!

– O quê?! Como assim? – essa era a única reação dos pederastas surpresos com a dificuldade de fraudar a prestação de contas no governo Google.

– Olha que esse trabalho tá ficando cada vez melhor! Dá um close no pessoal da milícia Jim, tenho uma colega que vai adorar postar isso no blog de notícias do Olho Urbano.

Jim fazia sinal de “positivo” com a mão enquanto Mauro Pacheco, tesoureiro, tentava sair com um sorriso maroto disfarçando uma ida ao banheiro quando 2 integrantes da milícia civil saltam sobre ele algemando-o e lendo seus direitos.

– Jim, fala pra esses caras me soltarem véio, teu pagamento sempre caía em dia desde de quando você tava nos serviços gerais ano passado!

– Vai se ferrar Mauro! Dizia Jim ao ver Mauro ser levado algemado escadaria abaixo enquanto preparava uma bela cusparada para acertar na nuca do ex-tesoureiro quando descessem o terceiro lance de escadas.

– Diante da presente situação, declaro que o PL.com venceu a decisão do local e suas empresas associadas têm preferência na escolha da empresa que receberá a licitação para a construção da nova câmara de vereadores. – dizia o Presidente da Câmara com voz robótica e monótona.

– Uma pena. Agora que o pessoal do PL.com ganharam acho q é adeus à biblioteca da prefeitura.

***De fato, no século XXII papel era algo dispensável e certas formas de arte desligadas da informática não eram muito valorizadas. A prefeitura de Capitol City tinha uma das maiores bibliotecas de gibis do mundo.

– Puta merda véio! O que você acha que eles vão fazer com os gibis, Helô?

– Eu te aviso quando souber. Também tem alguns que eu queria levar pra casa, a saga de apocalipse, os do Thor e dos Vingadores. Sabia que o gibi era diferente dos filmes do século passado?

– Sei sim. Vou fazer o upload da filmagem pra nuvem e você pode enviar pra sua amiga do blog de notícias.

O celutablet dobrável de Jim vibra com uma mensagem na tela. Ele mesmo deveria ajudar a limpar a poeira dos gibis da biblioteca e separar o que iria pra venda de quintal da prefeitura e o que ele e Heloísa levariam pra seu próprio entretenimento.

– Perfeito! – pensou Jim.

– Pessoas levando gibis embora da prefeitura… Fico pensando se alguém algum dia sonhou que o Google se tornaria o governo digital unificado de todo mundo ocidental e que prefeituras seriam governadas por sistemas de computador, ou reuniões de vereadores seriam presididas por droides e que bibliotecas seriam entulhadas de gibis cheios de poeira. Graças a Deus acharam a cura pra rinite ou a gente ia morrer nesse pó.

– Caraaaaca véio! Wolverine em fotonovela, a saga do Japão!

– E garotas com peitos transgênicos de fora.

– Ah… isso é detalhe… o legal é a história. E você sabe que peitos transgênicos são decisão dos pais e não das garotas.

– Homem é tudo igual mesmo… Vem cá, isso é telenovela ou pintura a óleo? parece realista mas não tanto.

– Ei Jim! Helô! Blz?

– Oi Ed! Veio catar gibis? Achei a telenovela do Wolverine man!

– Cara, quantas vezes eu tenho que dizer que não é telenovela, é graffic novel!

– Ah, que seja. Acho que tem um brinde, tem um saquinho tipo card aqui dentro.

– Deixa eu ver?

– Não, nem vem. Você já pegou os gibis do Thor!

– Nossa Jim, é só um brinde de gibi, não é um anel mágico como do Lanterna Verde.

TUDURUDU! Soa um celutablet com o último informe do dia: O castelo de Walt Disney e o Taj Majal desabaram produzindo uma nuvem de poeira tóxica, portanto cubra boca e nariz com toalha ao sair.

– Desabamento de novo? – disse Jim.

– A gente vai sair igual os caras do Faith No More na turnê de 2016, lembram? Tem o vídeo no youtube do show em Madri. Poeirada do caramba! Super momento histórico.

– É, Mike Patton arrasou… até terem que deixar a cidade.

UOooOoOoOoOh!

– Alerta de tremor! – disseram os 3 amigos em uníssono.

Embora o sistema do Google houvesse previsto o tremor, incidentes pequenos não eram mais informados. No meio da sujeira de uma parede que caiu, Jim encontra seu segundo brinde do dia.

– Tá todo mundo bem? Perguntou Heloísa.

– Meu, acho que hoje é meu dia de tremor da sorte! Olha meu novo achado!

– O brinco de wormwood. Que droga é essa?

– Sei lá, mas é MEU! HAHAHA!

Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep! Beep!

 

– Merda! Perdi o horário! Vou me atrasar pro trabalho! Maldita função soneca!

De fato Jim saiu tão apressado para o trabalho que não notou ter vestido uma das calças esportivas de seu pai, um tanto quanto largas para ele, de modo que exponha grande parte de sua underwear (todos os nomes constrangedores foram substituídos por estrangeirismos americanos logo após a dissolução dos EUA em 37 países distintos).

– Onde diabos você estava? Eu tive que ficar no seu lugar pra registrar o vídeo da reunião e encriptar pros engraçadinhos do Mefisto.com não fazerem montagens com chifrinhos e bigodes da assembléia!

– Foi mal Helô…

– Ah, esquece… Faz o seguinte, por hoje você fica no meu lugar no digitalização de registros públicos.

– Tá, me empresta seu cartão pra eu ter acesso.

– Toma. Mas vai logo! Tenho pilhas de coisas pra escanear paradas por causa do seu atraso.

15 minutos depois Jim se questiona como Heloísa conseguia manter um ritmo constante de digitalização com o celutablet do trabalho e ainda haver tantas pilhas de papel. Ela foi “funcionária do mês” todos os 3 meses desde que Jim começara naquele emprego e ainda havia montanhas de documentos, licitações, registros de trabalho e informes de rendimento retroativos que precisavam ser lançados manualmente no sistema. Era assim que, volta e meia, eram descobertas as falcatruas do “elemento humano” dos governos. Jim resolve que precisava tomar ciência do estado de seu visual no banheiro.

– Caracas, tô com uma cara péssima. Vou lavar o rosto, ajeitar essa roupa, por a camisa pra dentro da calça (espero que ninguém tenha visto meu underwear…), ah e esse tal brinco de wormwood é bem estiloso, acho que vou colocar essa bodega pra dar mais um ar de autoridade.

Obs.: No século XXII brincos são interfaces de comunicação sofisticadas via satélite instantaneamente plugadas a celutablets, macs, gps e redes sociais. Além de fazer com que você fique com ares de pirata mouro, se é que já houve algum mouro pirata…

Jim entra no banheiro feminino da repartição porque o masculino havia tido a privada detonada por uma bombinha posta por um estudante numa visita escolar ao local. De qualquer forma, a única mulher que trabalhava no setor de informática da prefeitura era Heloísa.

– Véio, como é que coloca esse troço? Ah, saquei! Isso solta e aí ele abre! Show!

Jim coloca o brinco de wormwood sem saber que se tratava de um anel dos extintos nibelungos com o poder de alterar a forma de seu corpo e lhe dando habilidades sobre-humanas!

O que não agradou muito Jim ao perceber que o anel lhe tornava o que pensasse no justo momento em que olhou para suas orelhas e lembrou dos lóbulos de seu avô.

– Volta ao normal anda! Volta! Ah, tô pegando o jeito! Eu bem que podia sair por aí e virar um super-herói com um negócio desses, como o ciborgue  dos Jovens Titãs… (não, não fiquei negão o suficiente), ou o Flash! Hahaha, tô igualzinho!

– Jim! Já voltei. Preciso do meu cartão. Você não entrou no banheiro feminino de novo não, né?

– Hã… Talvez?

Corte pro noticiário da noite:

– “Estranhos incidentes envolvendo jovens traficantes dependurados de ponta a cabeça em prédios e amarrados com fechos de plástico em becos escuros tem surpreendido a polícia que suspeita da ação de vigilantes…”

– Ei Jim, já pensou se esse cara é o responsável pelo sumiço dos fechos da prefeitura? Ele ia levar um sermão da Helô sobre responsabilidade! Hahahaha!

– Hein? Ah, foi mal eu não prestei muita atenção.

– Se liga velho, a gente vai pegar os skates, segue até a casa da Judith e vamos no furgão do Pietro até o show do Shadow Blade. Vai ser demais!

– Olha aqui vocês dois, 2h da manhã é o limite, eu não quero saber de desculpas.

– Falou dona Cláudia… Simbora Jim!

– Tchau mãe…

– 2h da manhã menino!

– Tá, tá, tá bom mãe, nojeira!

Com a saída de Jim e Ed, dona Cláudia nota que as notas de Jim tem caído, seus olhos andam sempre vermelhos e ele não parece estar dormindo muito bem, além se estar tendo aumento do apetite enquanto emagrece e resolve ligar pro pai do garoto, sentindo a ironia que era fazê-lo após ter dito na audiência de divórcio que jamais iria querer ouvir a voz daquele “desgraçado de uma figa” outra vez.

– É sério Arnaldo! Você precisa conversar com esse garoto! Arnaldo, ele pode estar usando drogas!

– O Jim usando drogas? Não seja histérica mulher! Tá mais é mais provável Jim ter encontrado um artefato místico-tecnológico que lhe dê super-poderes…

As Viagens Interdimensionais de Johnny B. Goode – Episódio 01

aliens

Eu estava de férias no Rio de Janeiro e, como todo bom turista, queria ver o Cristo Redentor, mas a cidade já não era a mesma: estava parcialmente alagada e novas construções hi-tech se projetavam às alturas contra a lei da gravidade. Entre elas havia várias jacuzzis no formato de cuias com um acabamento que fazia pensar se não seriam 3 cuias, uma dentro da outra, todas flutuando no ar, bem acima do Cristo.

Como se já não fosse estranho o suficiente, havia um grande totem erigido de modo a ultrapassar o Cristo Redentor em altura, com vários jardins suspensos sobre ele.

“É um péssimo momento pra enfrentar meu medo de altura”, pensei. Mesmo assim, eu e mais um casal de turistas, entramos na fila para o banho de jacuzzi, que era uma atração muito popular entre os turistas.

Ao entrarmos, houve um problema com o sistema eletromagnético de suspensão, de modo que fomos arremessados, os 3, pra fora da piscina numa velocidade absurdamente alta. Enquanto senti a queda, só me restou pensar: “Pronto, tô morto”. Eu via o Totem e o Cristo enquanto a vertical da morte nos aproximava do chão, mas caímos os 3 numa das zonas alagadas da cidade. Estávamos vivos! …Mas perdi minha mochila.

A medida que a onda de choque passava, involuntária e automaticamente, fomos lançados para uma das zonas de comércio, parcialmente alagadas do RJ. Sem camisa, perdido na queda, fui tentar entender onde estava quando, de repente, um movimento popular de revoltosos surge do nada! Consigo arranjar um colete de couro e, quando me olho no espelho, estou com cabelos lisos caindo sobre as sobrancelhas, e uma barba digna de um profeta bíblico… Sou arremessado pela segunda onda de manifestantes (que destruía tudo por onde passava) contra um outdoor e busco refúgio dentro de um ônibus interestadual (que parecia ser da Transdutra) que se dirigia para Curitiba. Depois da viagem, descubro 2 de minhas ex-colegas de faculdade dentro do ônibus. Conversamos e descemos onde deveria ser a rua 15 de Novembro (que nem é tão perto da rodoviária) e a rua estava em movimento de pico por conta de uma feira que estava acontecendo ali (mas a rua parecia mais a praça da feira de Ibipitanga-BA, por alguma razão inexplicável). Me despeço de minhas colegas e decido procurar minha mochila e meu laptop nos sites de “achados e perdidos”, quando uma onda catastrófica de inundações e deslizamentos de terra assolam todos os pontos secos do mundo.

Perco parte da memória e, dias depois, me vejo num abrigo próximo a uma floresta num local desconhecido. Estou desnutrido e quero água. Mas há 16 formas de água e nem todas se podem beber…

Converso com a líder do acampamento… Era a mesma líder dos manifestantes do RJ. E tinha certo zelo pela vida humana, mas agia como uma chefe de gangue, devido a sua ideologia política de esquerda, e não aceitava questionamentos.

Uma criança, que ouviu minha conversa com a líder, fica estranhamente interessada em minha mochila, como se meu laptop fosse a chave para se comunicar com os aliens e se ver livre desse planeta destinado à morte. Mas todos sabemos que os aliens só resgatarão uma única pessoa… eles mesmos já disseram no jornal.

Mas a menina tinha tendências sociopáticas e era extremamente inteligente. Eu descubro, por comentários de meninos xucros que estavam passeando na floresta, a descrição de um objeto que tinha que ser minha mochila, mas estava com muita sede para ir ao local e olho os 16 exemplares de água que os manifestantes colheram para análise.

“Dessa você pode beber!” – disse a menina com um sorriso diabólico. Como era um sinal de desrespeito aos manifestantes desconsiderar seus comentários, por mais crianças que fossem, resolvi beber (afinal, estava doido de sede). Não sabia o que significava o rótulo. “Água ébria”… Nunca vou me esquecer dessas palavras. A garota ri e ruma para pegar minha mochila, ao que a líder entra na sala e me diz: “Você tomou a água ébria? Ficou louco? Ela vai desidratar todo o seu organismo! Não é para beber, é para matar! Como penitência, você deverá correr até o Cristo e retornar. Talvez o calor possa fazê-la evaporar de dentro de você pra fora. Mas você só tem 5 minutos. É sua punição eterna!”

Eu obedeço imaginando se essa mulher não estaria louca, mas me sinto ressecado por dentro e corro com uma energia que não parecia se esgotar. O Cristo redentor não estava a mais de 2 ou 3 quilômetros de onde estávamos e podia ser visto no horizonte de uma ladeira. Estava torto e não havia água perto. Também não me dizia nada sobre minha localização, já que muitos monumentos pareciam fora de seu devido lugar depois do desastre, pelo que me disseram…

Enquanto corro a estrada de volta avisto uma improvável zona de comércio onde havia amendoins japoneses salgados e resolvo comer para morrer feliz. Também havia pães de queijo, mas a velocidade estava fazendo minhas partículas vibrarem tão rapidamente que eu atravessava dimensões. Resultado: Acabei retornando a Guarulhos, num mercado do Carmela onde ainda havia amendoins japoneses, mas pães de queijo não mais existiam em parte alguma…